17 de fevereiro de 2015 – (Guatemala)
Ubicación mapa: punto 74, 75 y 76.
Saindo de Chimaltenango nossas pernas estavam cansadas, fazia dias que não encarávamos a estrada com toda tralha sobre rodas. Depois de alguns quilômetros de uma boa subida, paramos num posto de gasolina, para dar uma trégua ao sol forte no lombo e também esticar o corpo.
Não queríamos pedalar muito, assim que escolhemos a cidade de Tecpan para ser nosso paradeiro da noite. Antes do nosso destino ainda tivemos uma parada no povoado chamado Patrizia, onde o Comedor Tika nos ofereceu tortillas, banheiro e mais uma vez um descanso dos raios de sol.
Ao chegar a Tecpan, sem nenhuma informação sobre a cidade, resolvemos ir ao centro e buscar um ponto de referencia, neste caso, a praça e sua igreja central.
Estacionamos nossas bicis e em seguida notamos vários olhares curiosos, principalmente de crianças.
Mas em seguida, o foco da atenção mudou, e todos observavam uma passeata fúnebre de alguém importante da cidade. Era banda, carro fúnebre, pessoas de preto e muita gente acompanhando o velório seguindo até a igreja.
Após diminuir o movimento, fomos buscar um lugar para passar a noite e o lugar escolhido foi o corpo de bombeiros. Fomos recebidos amavelmente e nos deram um quartinho (não muito limpo) no segundo andar, onde os bombeiros têm suas aulas e treinamentos para emergências. Depois de nos acomodar fomos dar uma volta para conhecer algo da cidade.
Já de volta, apesar de intenso frio tínhamos o banho que nos esperava após horas de pedalada e um pouco de caminhada. Mas na hora da verdade, um gelo líquido saia em vez de água e somente as regiões mais urgentes foram alcançadas.
Pela primeira vez nos deparamos com um corpo de bombeiros que havia o famoso cano para escorregar. Claro que eu ia provar, mas na realidade não é tão fácil como perece, e quase deixei um pedaço da minha perna no cano!
Logo Quique fez um mate e foi convidar ao encarregado de turno, que olhou desconfiado, provou duvidando, e gostou rindo, perguntando se ia poder dormir na noite.
No dia seguinte decidimos não ir a “Iximche” (última cidade maia a cair nas mas dos espanhóis em 1526, guiados pelo conquistador Pedro de Alvarado). Partimos cedo, e dessa vez não estávamos seguros de onde iriamos dormir, isso ia depender de como ia ser nossa pedalada do dia.
Nos primeiros quilômetros paramos para tomar o café da manhã. Um lugar simples na beira da estrada foi suficiente para carregar nossas energias ante algumas subidas que teríamos no trajeto. O cardápio, sempre o mesmo tortillas, feijão, abacate, omelete e cacau para beber.
Subidas e mais subidas, e o tempo ia fechando. A cada 20 km ou 1hora de pedalada, o jeito era descansar e desfrutar de alguma paisagem ou de alguma comida que encontrávamos pelo caminho.
Quanto mais subíamos a montanha, mais frio ficava. E o São Pedro não nos ajudou, e mandou uma chuva fria num trajeto descampado e de muito vento também. Paramos para descansar e comer umas tangerinas. Uma pessoa com uma mancha na testa se aproximou e conversamos um pouco…
Em seguida continuamos e depois de um longo dia e 60 km pedalados, encontramos um povoado chamado Los Encuentros. Anteriormente já tínhamos passado por ali, já que é um ponto de troca de ônibus para alguns lugares turísticos da região, como o Lago Atitlan e Chichicastenango. Ali pegamos um jornal local para ler e vimos o que significavam aquelas manchas que o homem tinha na testa anteriormente…
Não estava fácil de encontrar um lugar para passar a noite, pois este lugar é apenas um povoado separado pela Pan-americana, ou seja, sem muitas opções de pouso, com muitos ônibus chegando e saindo, postos de venda de comidas na rua, lixo no chão e barulho no ar.
Depois de muito pechinchar, conseguimos um hotelzinho por 20 dólares. Fugiu do nosso orçamento diário, mas tinha dias que uma cama confortável, um banho quentinho e umas boas horas de sono são muito bem-vindas.
Após esse merecido descanso, no outro dia tínhamos um destino¸ Quetzaltenango, mais conhecida como “Xela”.
Como sempre nos reforçamos com um bom café da manhã guatemalteco em um comedor de beira de estrada. 75 km nos separavam da próxima cidade, uma das mais altas da Guatemala, o que significa mais frio e mais subidas!
Durante o caminho o que mais nos chamou a atenção foi um trecho em que haviam várias perfurações nas montanhas.
Ao parar em um bar na beira da estrada vimos também em outro jornal que justo estava falando sobre este assunto. Neste lugar é retirado areia das montanhas para construções, e somando as chuvas previstas no inverno, o risco de desmoronamento era alto.
Após passar por Nahualá, em um sobe e desce que não tinha fim e depois de muito discutir com Quique (ele queria seguir pedalando), resolvi fazer um sinal de carona e a primeira caminhonete que passou, parou e nos levou até perto de Xela.
No princípio não entendíamos muito bem, no mapa víamos a cidade de Quetzaltenango mas as pessoas diziam sempre Xela. Depois soubemos que na língua quiché é conhecida como Xelajú, que significa “lugar das dez montanhas”.
Ao chegar a cidade, fomos de encontro ao nosso anfitrião Miguel, contatado através do Couchsurfing. Ele foi de carro até onde estávamos e o seguimos, onde um caminho de pinheiros e ar fresco levavam até a sua casa grande e sem grades, coisa estranha na Guatemala…
Miguel é estudante de Direito (acredito que já se formou agora) e seu principal hobby é o ciclismo. Compete em vários campeonatos na Guatemala e no exterior. Mas quando lhe convidamos para sair a passear de bici pela cidade, ele disse que usava a bicicleta para campeonatos ou pra treinar, não como um meio de transporte. “Quem anda em bicicleta é visto como alguém que não tem para comprar um carro, a bicicleta se usa não por opção e sim por necessidade”, nos contou. Embora confessasse sua vontade de fazer uma viagem em bicicleta algum dia.
Em sua casa fomos recebidos muito bem. Não só pela sua família, mas também pelos animais que vivem na volta…
Miguel mora com seus pais, avó, irmãs e seu filho Camilo. Que desde que chegamos estava curioso para tomar a famosa bebida que Suarez e Messi tomavam. Os dias que ficamos na casa deles, de manhã cedo estava Camilo esperando para preparar o chimarrão. E também, após desconfiar que Quique era parente de Suaréz chamou seus amigos para jogar bola e claro, tomar mate.
Saímos com Miguel para conhecer a cidade, e fomos direto ao parque central “Centro América” onde está concentrado vários edifícios históricos de Xela.
Passamos pela fachada da catedral da cidade que foi construída pelos espanhóis com estilo barroco, e que agora possui duas fachadas, uma mais moderna e outra original.
Outro lugar de destaque que conhecemos foi o Pasaje Enriquez, uma galeria construída no XIX. Hoje em dia é um centro comercial e lugar de encontros noturnos da população, seja por restaurantes e bares.
Passando pela galeria vimos que em um bar todas as mesas eram numeradas por números maias. Era o famoso bar Salon Tecun, conhecido por receber estrangeiros na cidade. Sendo que Xela, é um dos lugares favoritos de estrangeiros para aprender o idioma espanhol.
O nome Tecun é em homenagem a “Tecun Uman”, líder quiche derrotado por invasores espanholes em 1524, depois de muitas batalhas. Hoje em dia é um herói nacional que representa a valentia e dignidade em sua terra. Inclusive vimos uma estátua de Tecum na cidade.
Notamos que além do espanhol, nas ruas o idioma também era o quiche. Já que 60,57% da população é indígena, em percentual superior à composição da Guatemala que é de 41,9%; Aquí predomina o grupo étnico k’iche’ y mam.
Para tomar um café fomos ao tradicional Café Baviera. Um lugar aconchegante, com café da região e uma decoração que te faz voltar uns anos no tempo.
Seguimos de carro em um recorrido com Miguel. Passamos pelas faculdades, centro culturais e pelo estádio de futebol Mario Camposeco, sede do Deportivo Xelaju, mais conhecido como os Superchivos.
E para nossa surpresa, Miguel nos comentava que o técnico atual era uruguaio. Se tratava de Carlos Jurado, um ex jogador. Além de contar no elenco com vários jogadores uruguaios, argentinos, brasileiros e costarriquenhos.
De volta pra casa, passamos bastante tempo com a avó e a mãe do Miguel. Sua avó me ensinou a fazer os “tamales”, tradicional prato de origem mesoamericano feito com milho e envolto com folha de bananeira ou milho e cozido a vapor ou em água. No Brasil conhecemos como pamonha, logo é um dos alimentos com mais diversidade quanto ao nome em vários lugares da América.
Com a mãe de Miguel fomos conhecer um espaço muito interessante no qual ela trabalha junto com senhoras da comunidade. A fábrica se chama “Creaciones Utzil” onde fazem bonecas feitas a mão com autênticos trajes típicos da região.
Nos contava que em Guatemala existem mais de 150 comunidades indígenas que usam o trajes segundo sua região. As artistas são responsáveis por recriar cada traje utilizando alguns materiais reciclados.
Cada criação leva aproximadamente 72 horas para ficar pronta. São vendidas principalmente para o exterior como forma de lembrança da diversidade que é uma riqueza cultural do país.
Antes de seguir caminho, queríamos subir em um vulcão da região. Reservamos o último para ir até o Vulcão Santa Maria, localizado a alguns quilômetros de Xela.
O vulcão Santa Maria teve sua erupção em 1902 sendo uma das maiores do século XX. Já em uma erupção 1922 apareceu ao lado uma cratera batizada como Santiaguito, onde hoje em dia ainda está ativo e seguidamente se ve a fumaça saindo da sua pequena cratera.
As bicicletas estavam muito quietas, assim que fomos pedalando até lá. E de pouco a montanha de 3772 metros sobre o nível do mar se aproximava.
O problema era achar um lugar para deixar as bicicletas enquanto subíamos o vulcão. Depois de conversar com moradores da zona, encontramos um casal que deixou sua garagem a disposição das nossas magrelas.
Como estávamos restritos de dinheiro, resolvemos fazer o trajeto sem guia. Já que nos comentaram que não era complicado o caminho. A cada momento nos cruzávamos com trabalhadores da região.
Abordamos um deles, se chamava Juan . E nos explicava que carregava desde pequeno um peso aproximadamente de 50 quilos e que hoje já nem sentia tanto o peso da madeira carregada que era usada para cozinhar no dia dia. Quique foi experimentar para ter ideia do trabalho…
Mas nao deu nem tres pasos com tamanha carga nas costas…
Este modo de carregar vem de seculos atras, antes da chegada dos espanhois na America e sobrevive até agora!
Com ajuda do GPS fomos caminhando rumo ao topo do Santa Maria, mas depois de um tempo vimos que a direção que estávamos seguindo não era a mesma que indicava o dispositivo. Tivemos que voltar por um caminho no meio da colheita de milho para poder chegar a um lugar mais parecido como uma trilha.
Chegamos a um ponto de descanso, onde nos deu um pouco de tranquilidade já que tinha muitos atletas passando por ali e nos indicaram que estávamos no caminho certo.
Finalmente começava a subida, parecia tranquila, mas mais uma vez nos perdemos. Dessa vez nos metemos em um lugar cheio de árvores caídas, sem nenhum sinal que fora uma trilha. Um estresse mais gerado. Por sorte, logo encontramos o caminho certo ao ver umas fitas vermelhas presas nas árvores.
A certeza de estar no caminho correto veio logo que começamos a ver muitas pessoas descendo. Era um grupo grande de indígenas que estavam fazendo um ritual no topo do vulcão, e nos avisavam para seguir porque ainda faltava bastante.
Depois de 3 horas de subidas e perdidas, chegamos ao topo. Todo para nós! Não havia ninguém mais, mas sim, alguns vestígios deixaram.
Uma paz chegar em um lugar assim. Ficamos 30 minutos apreciando a vista e a tranquilidade. É verdade que não se via quase nada, já que as nuvens estavam no mesmo nível do vulcão.
Já era mais de 15 horas e estávamos preocupados em pegar noite, pois não sabíamos como seria a volta. E também começamos a sentir a névoa descer cada vez mais rápido. Aceleramos e antes da 17h já estávamos no ponto de partida outra vez.
Agradacemos a guardiã das bicicletas e seguimos adiante, rumo a Xela. Até a casa de Miguel seria mais de uma hora mais de pedalada.
De despedida e agradecimento por todo o recebimento que tivemos, preparamos uma pizza caseira uruguaia. E no outro dia cedo, nos preparávamos para seguir viagem rumo a Huehuetenango.
Miguel nos acompanhou para sair da cidade, já que para ele era um treino também. Saindo nos encontramos com um monumento ao emigrante salcajante, nome dos naturais de Salcajá. Miguel nos explicava que em este povoado existe muitas pessoas que vão ao exterior, especialmente aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
E aí tinha a oração e também um poema de Luis Enrique Estrada Santizo.
ORACIÓN DEL EMIGRANTE
Ahora que debo irme a otras Tierras a buscar una vida digna para mi familia, pido tu protección e intersección ante Dios, para quienes estamos en el Camino ya que tu no abandonaste al Pueblo Migrante, ayudanos a lograr nuestro propósito. Amen.
Uns quilômetros mais andados e nos deparamos com um protesto de moradores e indígenas contra o governo por aumento de taxas da energia e também por conta de uma hidroelétrica no seu território.
Após nos guiar, empurrar nas subidas e nos hospedar por alguns dias nos despedimos de Miguel e seguimos nossa viagem muito agradecidos pelo tempo dedicado a nós.
enero 23, 2019 at 2:26 am
Otro excelente relato de las ricas experiencias vividas.- Una mención especial a la cálida atención de MIguel y su hijo Camilo
mayo 8, 2019 at 4:19 pm
Hola! Si, de verdad fue una familia muy especial que encontramos en Xela. Pasamos muy lindo con ellos!