Volcán Telica
1 de novembro de 2014 –
Estava difícil para sair de León, de tanta atividade interessante que ali tinha. Mas já estava na hora de encarar a estrada outra vez e finalmente chegar e dormir pertinho de um vulcão ativo.
Estávamos a poucos quilômetros de um povoado chamado San Jacinto, no qual deveríamos encontrar um guia para subir com a gente até o cume. Acampar ao lado do vulcão Telica foi dica do Alejandro e seguro que fomos contagiados por esta paixão especial que ele tem por este lugar.
Já eram 14h e tínhamos que organizar o que levaríamos para a caminhada, achar um guia e ver onde deixaríamos as bicicletas nesta noite. Demos sorte e conseguimos tudo com o senhor que cuidava um hotel na entrada dos Hervideros, um local bem interessante onde a terra sopra gases e como dizem os locais, um bom lugar para cozinhar ovos.
Os Hervideros de San Jacinto são fumarolas e micro crateras que emitem visivelmente água em estado gasoso, dióxido de carbono e outros gases provocados pelo magma que esquenta as águas que se encontram abaixo da superfície da terra. Provocam também a expulsão de lodo fervente que se depositou na sua volta. Resultado do nível aquífero goteando sobre uma camada de magma perto do vulcão Telica.
Nosso guia se chama Alex , tem 22 anos e trabalha guiando subidas do vulcão nas horas vagas, já que trabalha na colheita de milho e com gado e ainda estuda turismo nos fins de semana na cidade de León.
Tínhamos a opção de começar a caminhada passando pelos Hervideros e pagando a entrada do parque ou fazer uma volta de uns 20 minutos e não pagar nada extra. Óbvio que nossa alternativa foi a segunda.
O caminho era bem tranquilo, com poucas subidas e bastante natureza.
E de repente nos metemos no meio de plantações de milho e conhecemos o elote, ou seja, o milho pequeno que é cortado antes de crescer e é comido cru e bem comum nas saladas e comidas da região. Aí Alex nos conta um ditado mexicano: ‘Mientras menos burros, más olotes’, que significa que quanto menos pessoas haja para a repartição, mais quantidade terá cada uma. O olote seria a espiga de milho.
Observando as árvores da região, nos chamou a atenção uma em especial com uns espinhos enormes e bem pontiagudos. E para nossa surpresa era uma espécie de palmeira que também possuía um fruto chamado coyol. Colhemos os frutos com muito cuidado pois segundo Alex estes espinhos são tão perigosos que depois que entra na pele pode te imobilizar esta parte. Devagarinho juntamos alguns frutos para que na nossa próxima parada esses fossem o lanche da vez.
Utilizado para alimento para gados e veados da região e também a árvore do coyol serve para preparar uma bebida muito apreciada pelos locais: uma aguardente de coyol. Obtém-se a bebida cortando a árvore e fazendo um canal ou um oco no talo, onde se acumula um líquido que ao fermentar-se produz essa bebida.
Aí está ele, depois de muito esforço para rompê-lo. Bem parecido com o coquinho (parte de dentro do butiá) que fazia parte da minha infância, mas bem mais difícil de abri-lo.
Nossa ideia era chegar para ver o pôr-do-sol ao lado do vulcão, mas como saímos tarde apreciamos o sol indo-se pelo caminho, entre arbustos e árvores. Afinal para chegar à cume eram 1.061 metros de altura e de caminhada foram mais de três horas.
Chegamos ao local para armar a barraca e para nossa sorte havia várias lenhas ao lado para fazer uma fogueira e nos esquentar, já que a noite chegava e com ela o frio também.
O vulcão Telica teve sua última erupção violenta em 1948, mas desde então segue expulsando fumaça e fazendo barulho. E a nossa esperança era ver a famosa lava!
Depois de acomodar nossas coisas na barraca, era hora de chegar bem pertinho da cratera e ver a lava. No caminho, nosso guia comentava que já escutava o som dos coiotes e dizia que não teria uma noite tranquila, já que ele não tinha barraca e tentaria achar um lugar alto, longe do alcance destes carnívoros. Tentamos o “Es mucho más común oír un coyote que verlo, no te preocupes” , mas não adiantou muito, seguiu intranquilo.
Depois de uns minutos de caminhada e muito vento na cara, chegamos ao lado vulcão. Uma cratera enorme de 120 metros de profundidade e 700 metros de diâmetro, na qual ficamos boquiabertos de estar ali tão pertinho deste gigantesco buraco.
Para nosso azar havia muitos gases e fumaça dentro da cratera e o único que podíamos observar era uns pontinhos vermelhos bem no fundo, que mais pareciam umas luzinhas de Natal, nada a ver com que esperávamos.
O jeito foi regressar ao acampamento, dormir e retornar às 4h30 da manhã para ver se a fumaça já havia desaparecido da cratera. Depois de um dia de caminhada, suados e com um frio no alto da montanha, o que eu queria, já que não tinha um bom banho quente, era trocar de roupa e descansar. E quando tiro da mochila meu “pijama” me dou conta que meu querido namorado tinha deixado a garrafa de água semiaberta e resultado disso foi ficarmos com pouca água para beber e pior, sem roupa seca e limpa para usar.
Última tentativa de ver a lava, voltamos ao borde da cratera e mais uma vez não estávamos com sorte, já que a fumaça tapava o fundo e não se via nada. Não exatamente nada, pois fomos privilegiados de ver o nascer do sol com vista de toda região, incluindo o vulcão mais alto da Nicarágua, o San Cristóbal.
Hora de começar a descer, e para nossa surpresa quando chegamos ao acampamento havia uma invasão de vacas buscando pasto e outras “cositas más”… No caso foi nossa bolsa para colocar a barraca, que fomos encontrar há alguns metros dali encharcada de baba de vaca, e por sorte sã e salva. Isso por não dar ouvidos a Alex que nos alertou da possível invasão bovina no ambiente depois de já ter ficado sem café-da-manhã por conta delas em outra ocasião.
A volta foi mais tranquila, chegamos cedo a San Jacinto e tivemos o prazer de conhecer a família de Alex que nos recebeu em sua humilde casa com um repleto café-da-manhã nica: ovos, arroz e feijão e tortillas com suco de pithaya.
Não satisfeito com toda gentileza, ainda Alex nos levou a um lugar que para ele era a benção: um rio que desembocava água morna! Imaginamos umas águas termais ou cascatas para relaxar e deparamos com 3 canos com água realmente morna mas que a proveniência desta água não tínhamos ideia.
Todavia era manhã, e como estávamos em pleno dia dos finados (2 de novembro) queríamos ver como encaravam este dia em uma cidadezinha do interior. Com a barriga cheia e com a alma e o corpo lavado subimos na bici novamente e fomos rumo a Malpasaillo cerca de 15 km de San Jacinto.
Na entrada, nos deram a bem-vindas umas flores iguais as que tinham na casa da avó do Quique .
Chegamos na cidade e nosso destino foi direto ao cemitério da cidade.
Uma movimentação grande nos arredores, com muita criança, comida típica e até palhaços! Fiquei cuidando as bicis no lado de fora e Quique foi desvendar este mundo novo.
Fiquei só observando a quantidade de senhoras, possivelmente viúvas que junto com suas filhas e netos iam caminhando com flores e velas, e as crianças com confetes!
Uma característica deste dia para a gente destes lugares é comer buñuelos de yuca com açúcar e mel (bolinhos fritos de mandioca)!
Dentro do cemitério, um mundo de cores, comidas, cruzes, flores, barulho que apareciam por todos os lados. Famílias inteiras desde crianças (que pareciam estar num parque de diversão correndo entre e sobre os túmulos) a velhos reuniam-se diante do parente relembrado. Não vi nenhuma lágrima no rosto, parecia que em vez de lamentar a perda do ser querido, se celebrava o tempo compartido, as histórias vividas. A morte como parte natural da vida e não como uma desgraça. Como decía Edgar Allan Poe, “a la muerte se la mira de frente con valor y después se le invita a una copa”.
No outro dia saímos de volta para a estrada, com rumo certo a Esteli, mas sem ideia onde seria a nossa próxima parada. Miramos no GPS e vimos vários povoados que poderiam ser nosso pouso, mas o que mais no chamou atenção foi uma parte que tinha muitas curvas: já sabíamos que boa coisa não era e sim seria uma boa de uma subida!
Fomos tranquilos observando a sequencia de vulcões que tinha ao nosso lado: parte do Cinturón del Fuego a olhos nus.
Após algumas paradas, nos deparamos com a temida subida. E pior que já estava ficando noite.
No meio da subida pergunto a uma jovem que estava subindo caminhando se faltava muito para terminar essa subida, ela olha as bicicletas carregadas e diz: Pior que para vocês sim!
Seguimos e logo depois paramos para dar um descanso, e justo tinha um senhor esperando alguém numa parada de bus. Começamos a conversar e perguntar que tal essa subida e se o próximo povoado estava perto. Nisso chega a tal jovem que tínhamos cruzado antes: era a filha do senhor (Luis) e mãe do pequeno (Luisito). E aí surge o convite para passar a noite em sua casa que estava a poucos metros dali, já que não é recomendável andar de noite na estrada. Aceitamos e logo nos comenta : “Quien escucha consejo de un viejo, muere de viejo”.
Acomodamos-nos na humilde casa e após um tour pela plantação da casa nos apresentam a janta direto das colheitas da casa.
Já de madrugada vem aquela vontade de ir ao banheiro, e como este era fora da casa bem ao fundo, tentei não fazer barulho e muito devagar dei meus passos rumo a porta. Foi aí que os cachorros me surpreenderam e começaram a latir!! Lembrei que Luis tinha dito que ia deixar os cachorros soltos para cuidarem das nossas bicis que estavam fora da casa: se alguém entra no pátio eles avisarão! Putz… vou acordar todo mundo da casa! Voltei pra cama para tentar dormir, mas não tinha jeito tinha que fazer xixi neste momento, não podia mais esperar! E o que fazer? Nesses momentos passaram várias coisas na minha cabeça em segundos: pegar uma panela da casa, fazer na garrafinha de água … mas no escuro o único que consegui foi uma sacola plástica que tinha meu chinelo enrolado. Ufa…foi o mais rápido improviso que consegui no momento.
Essa nossa estadia no Cristalito deu origem a este Relato Mínimo que Quique escreveu : https://acercandomundos.com/de-sabios-e-ignorantes/
Umas horinhas depois do ocorrido já estávamos de pé, e pela primeira vez em toda viagem saimos cedo da manhã, 6h! E agora sim, estávamos pronto para seguir caminho com as forças renovadas e super agradecidos com tanta e sincera generosidade recebida dessa família que sempre levaremos conosco.
febrero 15, 2015 at 8:51 pm
Genial el relato y las fotos. Además del paisaje, los alimentos típicos y las costumbres, la solidaridad de la gente se destaca en cada post. Y hasta las flores de la abuela Amanda están en sus vivencias! Continúen asombrándonos… Abrazo grande.
febrero 16, 2015 at 1:22 am
Gracias!!! Com certeza nós também vamos nos surpreendendo a cada passagem com tanta solidariedade das pessoas com a gente! E a cada rincãozinho vamos nos lembrando da nossa gente e nossas culturas, é claro !! Beijos a todos…