24 de novembro –

Cruzamos a ponte, ou seja, o rio Goascorán que separa estes dois países muito sofridos da América Central, Honduras e El Salvador. Agora era hora de entrar no mundo salvadorenho, um país pequeno, com uma extensão territorial  de 20 742 km² mas com uma população de quase 7 milhões de pessoas, sendo o país com mais alta densidade populacional de toda América continental. E eu que pensei que o Uruguai fosse tão pequeno, por estar ao lado do Brasil e Argentina, percebo que tem quase 9 vezes o território de El Salvador e menos da metade da população.

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Chegando à imigração fomos bem recebidos pelos funcionários, nos perguntaram aonde iríamos e nós sem muita noção da geografia salvadorenha dissemos que íamos a Pasaquina, a primeira cidade que vimos no mapa depois da fronteira. Amavelmente nos disseram que Pasaquina não era nada mais de um vilarejo muito pequeno e nos aconselhou seguir uns quilômetros mais até Santa Rosa de Lima. Agradecemos a sugestão e logo tivemos uma surpresa ao saber que tínhamos 24 dias para sair do C-4, ou seja, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala. Não entediamos nada, pois pensávamos que teríamos 3 meses em cada um desses países, mas logo veio a explicação que são 3 meses nos 4 países! Menos mal que tinha uma solução para isso: ir a capital antes que passasse este prazo e renovar o visto para poder cruzar tranquilamente estes dois países que faltavam.

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Quase de saída, vimos que não carimbaram nosso passaporte. Volto ao funcionário e pergunto se tinha passado algo e ele responde que não era necessário este procedimento, mas como éramos cicloviajantes ia abrir uma exceção e pediu autorização a seu chefe para carimbar nosso passaporte como lembrança da imigração!

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Não sei por que, mas não senti nenhuma tensão ao entrar em El Salvador, este país tão mal falado por violência, maras e inseguridade. Tudo tranquilo e já estávamos em Santa Rosa de Lima, uma cidade de 28.000 habitantes que nos acolheu por alguns dias e depois ficamos sabendo que se chama assim, pois um peruano lá pelo século XVIII quando chegou formou uma fazenda de nome Santa Rosa (padroeira do Peru) e Lima (pela capital peruana).

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Depois de pedir desconto, nos instalamos em um hotel na beira da Estrada Pan-americana. Com banho quente, limpo, Internet e lugar para deixar as bicicletas foi uma ótima pedida que saiu por 20 dólares.

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Saímos para dar uma volta na cidade e percebemos que não era nada barato (comparado a Nicarágua) comprar neste novo país. Vimos que nos supermercados haviam muitas variedades de produtos, bem diferente dos supermercados hondurenhos e nicaraguenses. Desde 2001 a moeda oficial é o dólar americano, fato que encareceu bastante a vida para a população, já que nos contaram que foi uma decisão politica muito rápida e sem consulta aos salvadorenhos. Sendo que o colón salvadorenho foi muito desvalorizado na hora da conversão para a nova moeda.

Onde o hotel estava localizado não havia muito comércio e não era nada convidável a caminhar pela zona. Uma boa opção era uma “pupuseria” que tinha logo em frente da hospedagem.

Fomos um pouco desconfiados, afinal tinha vários homens bebendo cerveja e quase todos com seus caminhões ou carros ao lado. Duas garçonetes atendiam no local, tendo que ter muita paciência com os assíduos bêbados do local.

Sandra se aproximou e nos disse que no momento só tinham pupusas, nós sem saber o que era aceitamos o único prato existente, perguntamos quanto custava e pedimos 4.   “ Dos coritas” era o valor de cada pupusa, pedimos 4 porque pensamos que eram alguns centavos, mas depois pensamos melhor e imaginamos que eram 2 dólares cada uma! Mudamos o pedido, apenas duas (estava muito caro). Deliciamo-nos com este prato que mal sabíamos que iria ser nossa refeição quase que diária nos próximos 45 dias de El Salvador, e perguntamos a Sandra novamente o valor: “2 coritas apenas”! – respendeu ela. Viu que não estávamos entendendo nada e foi buscar uma moeda para nos mostrar. É a de 25 centavos de dólar, ou seja, um “quarter” que espanholizada virou “cora”.

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Aprendida a lição das moedas, regressamos todos os dias para comer nossas “pupusas”, o prato mais salvadorenho que existe! Nada mais é que massa de milho branco recheada com feijão, queijo ou carne (básicas, já que existe uma variedade enorme de recheios e sabores). E sempre vem acompanhado com uma salada de repolho e cenoura com vinagre.

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No hotel onde estávamos conhecemos Carlos, um colombiano que vive há muitos anos no México e trabalha no circo dos Hermanos Suarez. Já havíamos escutado antes do tal circo que era bem conhecido por toda Centroamérica, mas que como em muitos países já é proibido o uso de animais em circos, nos últimos anos tinham perdido muito público.

Ele pareceu bem interessado em nossa viagem de bicicleta, nos contou que também viaja bastante, mas pelo trabalho. Depois de um tempo nos contou qual era sua profissão, mas nem ele mesmo sabia definir bem. Disse-nos que juntamente com seu irmão eram médiuns e tinham uma percepção muito desenvolvida, e que seu pai desde pequeno trabalhou muito bem este dom com os dois. Hoje trabalham em vários lados com seus números chamados Los Astrales e que segundo ele, estão no Record Guinness por acertar perguntas em menor tempo por telepatia.

No outro dia saímos para almoçar e conhecemos um pouco mais de sua vida e suas histórias. Contou-nos que acredita que dentro de uns anos o circo não existirá mais, dificuldades de ter uma vida amorosa viajando bastante, e também a história de como começou o mais famoso circo do mundo atual, o Cirque de Soleil.

Segundo Carlos, um canadense malabarista de semáforo estava um pouco insatisfeito com sua vida, seu pai tinha um contato com o Ministro da Educação e Cultura do país e pediu uma entrevista para seu filho.  Na reunião ele apenas pediu 20 milhões de dólares em um projeto e se encargaria de tudo, dito e feito, juntamente com um amigo organizou tudo e depois de anos já era referencia em todo mundo, com mais de 20 espetáculos e arrecadando muito mais vezes a inversão inicial.

Depois de 2 dias no hotel já era hora seguir nosso rumo em direção a La Union, mas antes disso Carlos nos convidou para assistir uma sessão do Circo Suarez, fazia questão de que participássemos de seu número. Prometemos ir mas como o circo tinha recém chegado na cidade, necessitava uns dias para ser armado. Assim as atividades só começariam dentro de 5 dias, decidimos visitar outras cidades e voltar depois.

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Com um calor muito forte já estávamos na estrada quando Quique se dá conta que faltava seu capacete e o velocímetro da bicicleta. Já era tarde para voltar, assim que seguimos, torcendo que alguém do hotel tivesse encontrado e guardado. Na foto acima bem no canto esquerdo se vê onde tínhamos esquecido os objetos.

Depois de uma volta grande no mapa e uma semana depois de ter saído de Santa Rosa de Lima, estávamos de volta na cidade.

Mas dessa vez fomos a um hotelzinho mais barato, 10 dólares a habitação. E por ser uma cidade tão quente, a água do chuveiro já vinha morna, perfeita para nós que sempre sofremos um pouco com a água gelada no lombo.

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Também tínhamos nossas coisas de viajantes pendentes, neste caso lavar roupas!

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E para nossa surpresa no varal tinha um calção do Peñarol estendido, Quique fica todo bobo, afinal encontrar algo do seu time no meio de um hotelzinho em pleno El Salvador não é sempre que se vê.

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Depois de nos inteirarmos que o que tínhamos esquecido no hotel estava com Carlos, fomos até lá recuperá-los e ver quando poderíamos ir ao circo. Juntamente com Carlos fomos ao circo como convidados e estávamos curiosíssimos para conhecer a sessão dele e de seu irmão.

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Resultou que justo neste dia seu irmão não chegou a tempo do show e nós e alguns espectadores assistimos todo espetáculo na expectativa.

Um dia mais na cidade, era a última chance de conhecer os “Los Astrales”, e assim foi. Na verdade fazia muito que não íamos a um circo e valeu a pena ver todos os trapezistas, malabaristas, palhaços, mágicos e acrobatas pelo segundo dia consecutivo.


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Como era a principal atração, Carlos e seu irmão fizeram todo um suspense e começaram suas “adivinhações”. Carlos ia até a plateia e via se alguém lhe emprestava sua identidade. Perguntava em voz alta os dados do espectador e seu irmão que estava no picadeiro de costas para o público respondia tudo muito rápido e com muita precisão. Foram vários números parecidos a este, o público (e nós) muito incrédulos de como podiam adivinhar todas essas informações tão pessoais. Aproveitando deste deslumbre, os irmãos ainda cobravam 5 dólares para ler a mão e entregar um guia astral para cada um que quisesse saber do seu futuro durante o intervalo.  Convidados mais uma vez fomos ver o que nos esperava o futuro, e saio me perguntando por que tinha perdido minha meia hora escutando coisas que ele deduzia sobre mim. Enfim, foi interessante todo o mundo do circo, a série de Carlos e tudo mais, mas sinceramente isto de ler a mão foi demasiado.

Ao fim do primeiro espetáculo da noite ainda conhecemos todas as pessoas que trabalham nos bastidores e inclusive no camarim, que nos receberam com muito sorriso e com os braços abertos.

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No outro dia com os objetos recuperados e com o futuro previsto seguimos viagem, Santa Rosa de Lima já ficava para trás em nossos caminhos.

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