26 de dezembro de 2014 – (El Salvador)
Depois de duas semanas sem colocar as magrelas para andar, já era de voltar a rotina da estrada e colocar também nossas pernas a trabalhar. Eram 60 km até a cidade de Santa Ana, uma longa descida a nossa frente e a não tão saudosa CA1, ou melhor, a famosa estrada “Pan-americana” (que percorre 25.800 km, desde Argentina até Canadá, somente interrompida por 87km, território de uma selva quase impenetrável chamada “Tapón del Darien” entre Panamá e Colômbia).
Uma parada num povoado chamado El Congo, para uma boa comida salvadorenha, muita água e também uma trégua do o sol do meio-dia. Umas horinhas mais e já estávamos em Santa Ana.
Santa Ana é uma cidade grande, tem mais de 200.000 habitantes. Por isso logo ao chegar buscamos um posto de gasolina para descansar e ver o que faríamos nesta noite que tardava ainda para chegar.
Tínhamos o contato do Eric através do Couchsurfing que podia nos hospedar “hasta el 28” , estávamos no 26 de dezembro assim que esses dois dias ele poderia nos receber. Só que não…
Ao falar com ele descobrimos que para o salvadorenho a palavra “hasta” não é o nosso até e sim a partir de. Sendo assim, só poderia nos receber depois do 28. Bom aprendizado, já que depois escutamos várias vezes isso e não caímos mais nas armadilhas das línguas.
Plano B foi ir aos bombeiros da cidade e pela primeira vez não fomos muito bem recebidos, falaram que o chefe não estava e se quiséssemos podíamos voltar mais tarde, mas com uma cara de poucos amigos este tal informante. Plano C era averiguar um hostel na cidade, fomos e não nos agradamos do preço: 10 dólares cada em quarto compartilhado. Ainda restava o plano D, que foi o que nos restou: pechinchar num hotel e conseguimos pelos mesmos 20 dólares mas em um quarto privado com banheiro e até espaço para colocar as bicicletas dentro.
Um pouco antes de escurecer saímos em busca de algo para comer. Justo tinha uma feira na praça que estava por terminar e não conseguimos nada. A outra opção era caminhar mais umas quadras e chegar a um supermercado que para nosso azar estava com problema na balança e todas as frutas que escolhemos não poderiam ser pesadas, ou seja, não podíamos comprá-las.
Mais umas cinco quadras e chegamos a um mercado de rua para comprar frutas. Era um lugar escuro, sujo e com pessoas um pouco assustadas. E nós já com o cansaço, já estávamos ficando com mau humor, isso porque a noite também já tinham chegado. Isso que até aí nem tínhamos nos perdido ainda e passado por uma praça que dizia que era proibido andar com arma. Rolou uma tensão, nós sem muita certeza de onde estávamos nos deparamos com uma patrulha policial fazendo uma revista justo ao nosso lado. Nem pensar e virar o pescoço, o negócio foi acelerar o passo e torcer que a próxima rua fosse a do hotel… Ufa, e era.
Uns dias antes, Fernando (de Santa Tecla) tinha nos convidado para ir até o vulcão de Santa Ana (Ilamatepec) na cordilheira de Apaneca. Junto ao vulcão de Izalco, este complexo forma o Parque Nacional Cerro Verde a 2.030 metros de altura sobre o nível do mar, no qual observávamos na estrada junto com o canavial por todos os lados.
Antes de chegar até lá, fizemos uma parada em um mirante para observar a beleza do lago vulcânico de Coatepeque que fica há uns quilômetros do Parque.
Fernando ainda nos explicou que alguns anos atrás este lago amanheceu com uma cor azul-turquesa em suas águas por efeitos não bem esclarecidos: uns acham que por efeitos de algas desta cor; outros por um evento vulcânico.
Chegando ao Parque encontramos com o pai do Fernando, Rolando que faz parte do grupo de montanhismo de El Salvador. Os dois já fizeram várias vezes este percorrido, além de vários outros vulcões e montanhas pela América Central.
Outra parada em um mirante, mas agora para observar o vulcão Izalco que dizem ser o mais complicado de subir, já que é composto por uma espécie de areia vulcânica que ao pisar não se tem nenhuma estabilidade, além de ser bem mais empinado que o vulcão Santa Ana.
Para fazer a trilha até o vulcão Santa Ana era necessário esperar formar-se um grupo mínimo de pessoas para ser escoltado por três policiais turísticos. Segundo os próprios policiais isso não acontece pela preocupação da “delinquência” e sim por precauções de segurança já que é uma trilha com alguns trechos não muito sinalizados e com muitas pedras, tendo já acontecido alguns acidentes.
Assim que estávamos para começar a trilha sinto falta da minha garrafa de água. Pensamos uns segundos, imediatamente cada um colocou a culpa no outro (risos), mas resolvemos tentar a sorte e o Quique voltou correndo uns quilômetros para ver se continuava pelo mirante. E lá estava a inseparável caramanhola “sentada” em um banco. (Pior que depois de 4 perdidas e achadas, chegando ao Uruguai esqueci no avião e não consegui recuperá-la).
O caminho era bem arborizado, cheio de pássaros, com uma ótima estrutura e ainda o melhor, só descida.
Seguimos uns quilômetros e logo a primeira parada para ver se estavam todos. Após a comprovação de nenhum faltante, começamos a subir o vulcão.
Já mais de uma hora caminhando e ainda nada de chegar até o topo, só nos restava parar e admirar …
Finalmente chegamos, uma neblina e um vento forte nos esperava lá no alto. Nós em êxtase de estar ali, com a tamanha vista e ao lado da cratera.
Tínhamos conseguido! Fernando chega e nos pergunta o que achamos da lagoa e nós sem entender, respondemos: Qual lagoa? Sorrindo, pede para que caminhássemos mais uns metros… E nos deparamos com isso:
Uau!! Sem palavras para descrever esta belíssima surpresa! Não tínhamos ideia que dentro da cratera havia um lago, e muito menos com essa cor.
Quique aproveitou para mandar um recado para sua mãe lá do alto do vulcão!
A paz, e ao mesmo tempo, a emoção de estar em um lugar assim realmente é imensamente mágico!
A neblina e a chuvisca começaram a apertar, sinalizando que já era hora de descer e encarar o caminho de volta!
Já na estrada, a paisagem do lago Caotepeque e da vegetação não deixavam de nos impressionar.
De volta a Santa Ana, no dia 28, entramos em contato com Eric e pela noite mesmo nos encontramos e fomos até a sua casa. Fomos recebidos por sua mãe, irmão e seu cachorro “Rocco”.
Eric é cabelereiro e estilista, faz anos que trabalha nesta área e inclusive dá cursos em alguns salões. Na vizinhança é conhecido por todos, isso faz que também atraia certos mal olhados também. Como trabalhava todo o dia, começou dar a impressão que ganhava bem, pelo qual foi visitado por integrantes de uma “mara” e foi “convidado” a pagar um “aluguel” de 50 dóalares por semana. Se não paga, pode ter certeza que, pelo menos farão a limpa na sua casa. Infelizmente isso já tinha ocorrido alguma vez.
Para isso teve que vender alguns de seus bens. Depois arrumou para não pagar mais, porém em troca, dava serviços grátis de corte de cabelo as mulheres dosmareros. Esse pago grantia que ninguém mais fosse cobrar outro “aluguel” nem também ser roubado por estranhos. Se pensarmos em nossa realidade, tirando o fator de imposição do pagamento, é similar a uma empresa privada de segurança. Ou se vamos mais além, somos obrigados a pagar nossos impostos o que nos garante (entre outras coisas) segurança de nossas coisas. Neste quesito, os maras são mais efetivos que nosso sistema policial.
Por este e outros motivos, Eric tinha outros planos. Ir-se para os Estados Unidos para tentar uma vida melhor por lá. Como tem bastante contatos por lá, inclusive de coiotes, seu plano era ir clandestinamente pelo deserto mexicano até chegar às terras gringas, atrás do “american dream” .
Na manhã seguinte saímos com Rocco para passear pela cidade. Rocco assim como o dono é muito popular pelo bairro e a cada esquina era parado para ser cumprimentado.
Fomos até a praça central Libertad para que Rocco descansasse um pouco, e ficamos só observando o movimento dos locais, muitos vindos do interior e fazendo “mandados” na cidade e trâmites na prefeitura.
Esta parte histórica é muito bem preservada, junto com a prefeitura (alcaldia), cassino, teatro Santa Ana e a catedral Senhora de Santa Ana com seu estilo gótico , considerada Patrimônio Nacional desde 1995. Uma lindeza só!
Eric estava tão cheio de serviço que mal tinha tempo para comer, justo teria um casamento de uns grandes amigos e todos convidados iam fazer suas arrumações com ele. Muito atencioso, resolveu chamar um amigo para dar uma volta com a gente pela cidade para conhecermos um pouco além do centro.
Mas antes ainda se animou a cortar nosso cabelo!
Parada em um restaurante mexicano para comer torta frita (nosso xis brasileiro ou chivito uruguaio) e tortillas com feijão , tomate e queijo!
Foram poucos dias de contato, mas a generosidade de Eric foi tamanha. A todo momento preocupava-se com nosso bem-estar e foi um ótimo anfitrião.
Antes de seguir viagem, Eric ainda nos passou o contato de Alexis em uma cidade próxima chamada Chalchuapa. E aí fomos, com destino e endereço certo para mais 16 quilômetros rumo ao ocidente.
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