Huehuetenango, 23 de fevereiro de 2015
Após nos despedir de Miguel (nosso anfitrião de Xela), seguimos adiante em um caminho tranquilo, sem muito movimento, com alguns povoados e, para nossa sorte, algumas descidas.
Chegamos a uma lanchonete na beira da estrada, fizemos nosso reforço e bateu aquela preguiça de encarar uma subida logo depois dessa pausa, em pleno meio-dia. Quis convencer o Quique a pegar carona com uma camionete que estava estacionada, mas como de praxe, como ele não concordava, ele simplesmente disse: Vai e pergunta se tu quiseres, por mim pedalamos!
E lá fui eu, fazer uma cara de coitada e pedir arrego para uma carona. Deu certo, nos livramos de uma subida de 5km para depois seguir de bicicleta até chegar em Huehuetenango.
Mas para nosso azar, um pouco antes de chegar à cidade, ao passar por uma grande lombada, tivemos mais uma vez o problema que mais nos afetou na viagem: o bagageiro do Quique não aguentou e quebrou!
Pedalamos com dificuldade até encontrar uma loja de ferragens. O jovem que trabalhava aí, muito amável, nos recomendou um lugar para concertar o bagageiro e o hotelzinho simples do lado para ficar por 60 quetzales a noite (8 dólares). Aceitamos ambas as sugestões e não nos arrependemos.
Enquanto Quique ia ao mecânico para soldar o bagageiro, eu encontrava um lugar para soldar minha fome! E foi aí que conhecemos o Restaurante Monte Alto, lugar que foi nosso QG por dois dias, com comida saborosa, wifi e um jardim para descansar.
Na cidade, tínhamos o contato do Carlos do Couchsurfing. Ficamos dois dias no hotel escrevendo e fundamentalmente descansando de fazer social. Algo que pesa muito na hora de decidir onde dormir logo após um dia de pedalada.
Carlos é um cara tranquilo que mora em uma casa antiga junto com seu irmão e sua avó. É padeiro e está começando a entrar na política. O primero que nos disse foram reclamações de outros hóspedes, um que não lavava bem os pratos e outro que pasava o dia todo na internet. Ficamos na dúvida se foi uma anedota inocente ou uma dica indireta. Deixamos por isso.
A casa parecia construída em inícios do século passado. Muitas portas e no centro um pátio interno, com jardim e um terreno grande onde plantavam e tinham alguns animais. Isso tudo em pleno centro de Huehuetenango.
Em uma janta, fizemos provar o mate uruguaio e o primeiro que perguntou foi se tinha álcool. Um amigo dele que estava ali, também provou mas antes comentou que tinha medo que desse alguma coisa nele.
A gente ficou em um cantinho separado da casa, e na frente do quarto minha diversão era colher abacate direto do pé. Eram tantos os frutos que eles não davam conta de comer.
Situada na parte noroeste da Guatemala, a região de Huehuetenango chega a quase 4.000 metros de altitude e possuem os planaltos onde cresce um dos melhores cafés do mundo.
O mercado da capital atrai os comerciantes das vilas próximas, que também vem em busca do precioso café da região. De fato, o clima subtropical do qual as plantações gozam, favorece uma maturação perfeita dos grãos dando aos mesmos um corpo e um aroma especiais. Para os guatemaltecos e os entendedores de todo o planeta, um verdadeiro culto.
Por conta disso, andamos pela cidade para provar em mercados e lugares populares o que os locais comiam e bebiam. E como sempre, todos os caminhos nos levam ao mercado público da cidade. Ficamos um pouco intimidados para tirar fotos, pois vimos que ali não tinha turista e não queríamos sobressair-se muito no meio da multidão.
Afastamos-nos um pouco do centro e descobrimos um Museu do Café, aí sim vimos que os frequentadores deste lugar não eram os mesmos do visitado anteriormente.
Este ‘museu’ serve alguns dos melhores cafés de Huehue, e dos mais caros também. Mais do que apenas um lugar para obter uma xícara bem preparada, ele também fornece algumas curiosidades sobre esse feitiço que influenciou tanto a história da Guatemala. Os vários salões e pátio oferecem várias informações sobre o cultivo, cultura e importância deste grão.
Além de examinar a parafernália antiga de processamento de café e alguns diagramas demonstrando técnicas de produção, você pode torrar seus próprios grãos para compra, jantar ou apenas conversar com os funcionários, que foi o nosso caso.
Aí conhecemos Joyx, um simpático trabalhador do museu com quem conversamos bastante. Inclusive fez pose em uma bicicleta antiga que tinha de decoração no jardim.
Antes de seguir adiante, Carlos nos comentou que tinha um uruguaio na cidade e que era dono de um restaurante. Os olhos do Quique se iluminaram imaginando que seus desejos gastronômicos acumulados já há 7 meses iriam ser realizados em breve.
Chegando no Terra Nova Restaurante conhecemos um uruguaio de Canelones que fazia uns anos tinha se mudado para Guatemala. Nos contou um pouco da sua história e comentou que raramente aparecia algum conterrâneo por lá.
Olhamos no cardápio e não podíamos crer: havia pizza en la pala e chivitos!
Nem precisamos falar que a muzza não durou 10 minutos na mesa! Mas nesses 10 minutos voltamos de carona no sabor no Uruguai. Quando fomos pagar a conta, o paisano não quis nos cobrar. Nós agradecemos o gesto, ao final de contas acho que foi como retribuição de nossa visita, de nosso interesse em conhecê-lo e talvez, de alguma forma, levar um pouco de sua terra perto dele por um momento, que comparando o preço de uma pizza, não é nada.
Ficamos gratos pela hospedagem e tempo que nos ofereceu Carlos mas depois de 4 dias na cidade, tínhamos que seguir a viagem. O destino era fronteira com o México, e para variar, íamos conforme o destino. Sem saber muito o que viria adiante, nem onde ficar e nem como seria o trajeto.
Por indicação de Miguel (nosso anfitrião de Xela), resolvemos sair de Guatemala pela fronteira da cidade de La Mesilla. E por coincidência do destino, quando estávamos começando o trajeto, recebemos uma mensagem de Miguel dizendo que tinha conhecidos nessa cidade e podíamos entrar em contato. São essas notícias que te alegra o dia!
Saindo de Huehue já começamos a reparar que o percurso ia ser dos sonhos de todo ciclista. Ou seja, muita descida! No fim do dia foi que nos inteiramos que foram 80 km de pura ladeira a baixo! Incrível! E eu não conseguia parar de pensar que pesadelo deve ter sido para algum ciclista que resolveu fazer este mesmo trajeto mas no outro sentido!
E para que os carros (e bicletas também) não excedessem muito a velocidade, encontramos muitos túmulos pelo caminho! Palavra com muitas variantes durante a viagem como lombada, tope. Inclusive essa notícia para brasileiros ficaria muito estranha se lida ao pé da letra: https://www.prensalibre.com/guatemala/comunitario/tumulos-invaden-carreteras-del-pais/
Em um povoado de beira de estrada vimos um problema muito recorrente na Guatemala. A invasão de mineradoras estrangeiras na exploração de solos em busca de pedras preciosas e metais. No qual contaminam todo solo e águas, além de explorar os locais e impossibilitar o trabalho dos campesinos, já que suas terras ficam totalmente inutilizadas.
Um filme que mostra esse problema é: El oro o la vida, de 2006. (https://acercandomundos.com/cine-latino/). Na Guatemala mais de 50 aldeias maias decidiram travar a expansão da mineração através de consultas à comunidade. Triste e dolorosa realidade da população, sem os seus próprios recursos.
Chegando em La Mesilla tratamos de encontrar o conhecido do pai do Miguel. Nossa referência era ir ao restaurante El Huerto , onde nos acomodamos e esperamos algumas horas até que o nosso contato aparecesse.
Fomos recebidos com muito entusiasmo pelos donos do local que não nos quis cobrar a comida. E como se não bastasse nos convidou para ir com sua família que estava se reunindo para celebrar um aniversário. E nós caímos de gaiatos aí. Rolou boas conversas de viagens e futebol (eram torcedores fanáticos de Xelahu) enquanto esperávamos que se assasse o veado. Tarde da noite, como já estávamos cansados, resolvemos buscar um lugar para passar a noite.
E com a ajuda deles, conseguimos um hotelzinho de sua família mais perto da fronteira com o México. Onde quem nos recebeu foi Don Tello, o dono do estabelecimento. E que logo caiu nas graças do Quique pois descobriu que ele foi um dos fundadores do Peñarol de La Mesilla, time que na década de 60 não tinha nome e que perguntando para o Padre da cidade qual escolher ele não duvidou em nomear o histórico clube uruguaio que por esses anos começava a surpreender o mundo.
Foram menos de 24 horas em La Mesilla, mas não sentimos nenhuma tensão de fronteira, como geralmente é característico. No dia seguinte, cedinho já estávamos na estrada novamente e dessa vez, mais um país nos esperava: o México.
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