4 de novembro de 2014 –
Pela primeira vez na nossa viagem estávamos cedinho na estrada. Dessa vez ás 6h da manhã já andávamos pedalando rumo a Estelí, terra conhecida pela produção de charutos, pelos murais nas paredes e também por ter sido muito importante na Revolução de 79.
Mas para chegar até lá sabíamos que teríamos que encarar no mínimo 3 longas subidas ao longo de 60 quilômetros.
Devagar e sempre chegamos ao destino e fomos bem recebidos por um bom prato de comida.
Começamos a buscar lugar para dormir essa noite e nos surpreendemos com o valor dos hostels, nenhum baixava os 450 córdobas (17 dólares)! Claro, para nós acostumados em pagar no máximo 10 dólares para os dois, fazia diferença. O jeito foi pechinchar e conseguir um lugar no hostel Iguana bem ao centro da cidade.
No outro dia às 7 da manhã nos acordamos assustados com uma sirene soando muito alto que parecia que estava em cima das nossas cabeças. Preocupados levantamos e fomos ver o que estava acontecendo, e para nossa surpresa não havia nada de anormal. Pessoas caminhando normalmente na rua e no hostel um silêncio. Já tínhamos descartado a hipótese de alguma tragédia como um alerta de terremoto ou algo aparecido. E foi aí que apareceu um funcionário e nos esclareceu que o que soava era a sirene da cidade que está no alto do edifício dos bombeiros, na qual faz seu barulho diariamente (com exceção de domingo) ás 7h da manhã e às 12h. É um despertador de manhã e um indicador que está na hora do almoço ao meio-dia.
E pior que no domingo quando não soa a sirene senti falta do despertador cedinho da manhã!
Essa história rendeu um trecho nos “puntos de vista” do Quique: https://acercandomundos.com/la-sirena/
Depois de acordados e aliviados ao saber da função da sirene era hora do nosso café preto da manhã e nos demos conta que para variar deixamos em algum lado nosso coador de pano para o café! Como este tipo de coador é típico da Costa Rica e não encontramos em terras nicaraguenses, o jeito foi improvisar e agora é este o coador oficial da viagem.
A infraestrutura da cidade é praticamente recente, devido aos bombardeios que se realizaram em 1979, sobre ordens do ditador Anastácio Somoza. Por isso ficou conhecida também como “ la Guernica de América”.
Toda sexta-feira é dia da feira orgânica na praça central da cidade que mesmo estando sob-reformas estivemos um tempo conhecendo e o que nos chamou a atenção foram as “tajaditas” de mandioca, batata, plátano, camote e malanga da Doña Felipa, que em poucas horas já haviam se terminado!
Em frente ao “Parque Central” está a catedral Nossa Senhora do Rosário de estilo neoclássico e ponto de reunião de muitos fiéis católicos.
Na música, Esteli tem seu hino, criação do professor esteliano don Noel Péres Urbina em 1964.
Son nica de Esteli
Nicaragua tiene un rinconcito
que en el mapa se ve un terroncito
chiquitito como un maní.
Pedacito de suelo gracioso
que descuella dulce y primoroso
y con orgullo se llama Estelí.
Es el Norte de mayor cultura
azuladas montañas oscuras
redondean su suelo de liz.
Estelí pedacito de amor
paraíso dónde yo nací
hoy te canto con gran frenesí, mi lindo Estelí.
Estelí fresquecito y gentil
jamás pienso alejarme de ti
porque tu eres poesia y canción, mi lindo Estelí.
En su clima fresco y delicioso
se cultivan mujeres preciosas
como rosas de oriental jardín.
Es su rio caudal de corales
sus praderas son verde esmeralda
que agigantan su gracia sin fin.
Los que vienen de tierras extrañas
se erradican por todos los años
al contacto acogedor de aquí.
Estelí pedacito de amor
paraíso dónde yo nací
hoy te canto con gran frenesí, mi lindo Estelí.
Estelí fresquecito y gentil
jamás pienso alejarme de ti
porque tu eres poesia y canción, mi lindo Estelí.
Antes de começar nossa viagem tínhamos visto no Facebook uma página bem interessante sobre um ciclista que viajava pela América em um projeto chamado Buscando Andar no qual percorre várias escolas e comunidades remotas com o fim de reflexionar sobre a situação atual de nossa sociedade, principalmente com projetos que envolvem meio ambiente, educação e identidade cultural. Quem quiser conhecer este projeto aqui está o site: http://buscandoandar.org/
E antes de chegar a Estelí escrevemos para Ariel que estava como disponível no site warmshowers para ver se tinha alojamento e podíamos nos encontrar. E para nossa surpresa era Ariel, junto com sua namorada Samira, responsável por este projeto Buscando Andar, foi uma linda coincidência! Como não estava na cidade, por conta do projeto nos contatou com seus pais e aí fomos ao encontro deles e passamos um final de semana com esta família que nos acolheu como se fossemos filhos! Quando chegamos a sua casa com as bicicletas carregadas, Porfírio (seu pai) ficou muito emocionado ao vernos , recordando-se de seu filho Ariel que naquele momento estava tão longe e também sendo recebido por outras famílias na América do Sul.
Tanto Porfíro, Elba, Laura, Elie e Miguel nos receberam como velhos amigos e fizeram que nossa estadia por Esteli se tornasse muito agradável.
Depois de alguns dias sem pedalar, resolvemos conhecer um pouco do interior da cidade em bicicleta. Nosso destino era a famosa cascata La Estanzuela, com uma queda d’água de 35 metros.
Começamos a pedalar e logo veio uma estrada de terra cheia de pedras de grande descidas e subidas.
Quando começou a complicar pedimos uma carona para uma camionete que ia supostamente para o mesmo lugar que a gente. Depois de uns 20 minutos subindo montanha resolvo perguntar ao motorista se faltava muito para a cascata e para nosso espanto ele responde que já tinha passado há uns bons quilômetros da cascata e que estávamos quase chegando ao Cerro El Tisey!
Mudanças de planos: deixamos a cascata de lado e fomos conhecer outra parte Reserva Natural de Tisey. Um lugar enorme, um bosque tropical na montanha com uma flora e fauna abundante, no qual possui alguns restaurantes onde as pessoas da região passam ao meio-dia em família. Nossa programação também foi esta, depois de comer ainda deu tempo para caminhar e explorar um pouco desta área verde.
Na hora de voltar outro dilema, já estava escurecendo e o caminho era longo. Mais uma vez duas almas generosas nos levaram até a estrada principal, e em 30 minutos de pedalada já estávamos de volta a casa dos Herreras.
Depois de muita conversa com Elie, ficamos sabendo da fama de Estelí por ser a “Ciudad de los murales”. Isso porque Elie sempre gostou muito de grafitti e deixou sua colaboração junto com seu grupo em várias paredes da cidade, inclusive tendo uma página onde expõe algumas de suas obras! Pra conferir algumas delas está a página do Facebok : “Dectown Graffiti” .
Conhecemos também um pouco do trabalho da FUNARTE (Fundación de Apoyo al Arte Creador Infantil) que realiza diversos oficinas de Muralismo com crianças e adolescentes da cidade. Muito dos temas destes murais são relacionados com a pobreza, violência, direitos das crianças para que assim muitos possam se inspirar e imaginar situações diferentes das realidades de muitos da região.
Vimos em várias partes da cidade paredes coloridas e cheias de vida, resultado deste trabalho que quer complementar o que nas escolas não se desenvolve tanto como arte, jogos, criatividade, reflexões, autoestima e também a serem sociáveis e compreender um pouco melhor a cidadania.
Conversando também com Elba e sua irmã Fanni conhecemos muitas histórias sobre a guerra em Estelí, afinal a cidade foi um centro de luta que ao largo do século XX, nicaraguenses lutaram primeiro com Sandino contra a ocupação americana e depois contra a ditadura dos Somozas.
Como dona Elba e Fanni trabalhavam em organizações sociais nesta época lidavam direto com guerrilheiros e combatentes da Revolução de 1979. Contavam dos horrores que viam, corpos que chegavam, desespero e muito sangue que rodeavam toda região.
No total foram mais de 5.000 mortos em Estelí durante a guerra. Até que em julho de 1979 triunfou a Revolução, as tropas libertárias tomaram à cidade e pôs fim a ditadura no país.
Segundo moradores da região, os câmbios revolucionários ajudaram o desenvolvimento da cidade, que estava severamente destruída pela guerra.
Tanto que assim renasceu o auge da indústria do tabaco na cidade, atraindo muitos investidores nacionais e estrangeiros que fizeram reaparecer os famosos charutos estelianos, referência até hoje de bons produtos. Essa cultura do tabaco surgiu em Esteli depois da Revolução Cubana em 1959 quando muitos empresários cubanos exilados trouxeram sementes da ilha. Uma lástima que pessoas que trabalham como guias a estas fábricas nos disseram que o trabalho nestes locais muitas vezes são ditos como escravos, já que são muitas horas de laboro e pouco salário, e muitas vezes também sem nenhum direito trabalhista.
Tínhamos mais um dia na cidade e decidimos dar uma volta por uma parte da cidade onde tinha a Biblioteca pública e o Museu de História e Arqueologia. E aí vimos que a sirena também tinha outras utilidades na época da guerra.
E ali mesmo há alguns metros estava também o moderno estádio de futebol do Clube Real Estelí, ganhador de vários campeonatos nacionais. Na cidade, muitos torcedores com a camiseta e muitos fanáticos também, algo não muito comum na Nicarágua já que o principal esporte do país é o beisebol.
Na casa dos Herreras , todos fizeram questão de nos deixarem bem a vontade apesar de estarem bem ocupados. Foram somente dois dias, mas o carinho foi de um mês. Também com eles aproveitamos para conhecer um pouco mais dos acontecimentos ocorridos na guerra e da crueldade dos “contra” neste livro de Ariel:
Numa noite, enquanto dona Elba estava descendo as escadas, escorregou e rompeu um osso da perna! Foram momentos de tensão, mas por sorte sua filha Laura, estudante de medicina, ajudou com o atendimento imediato muito tranquilamente. Após o gesso, era necessário repouso, o que não deve ter sido nada fácil para Elba acostumada a estar sempre em atividades.
Despedimos-nos da família de Ariel e nos dirigíamos a Reserva Natural Mira flores na qual íamos trabalhar como voluntários na construção de canos para chegar água à comunidade. Depois que pensávamos que estava tudo bem e estávamos nos encaminhando para lá, ligamos para o responsável apara saber bem o endereço e nos demos conta que na verdade eles estavam pensando que éramos outras pessoas que já tinham feito uma entrevista para poder trabalhar no local. Foi um erro de comunicação e como já era quase meio-dia não daria para seguir para outra cidade, regressamos mais uma vez ao hostel e no dia seguinte sim partir para Somoto.
Saindo da cidade nos chamou a atenção uma estátua de uma gorda sentada na entrada de um povoado. Aí ficamos sabendo que o tal povoado se chama San Juan de Limay e que é conhecido justamente por estas estátuas. Através da descoberta da pedra “mormolina” no cerro Tipiscayán, moradores começaram a fazer esculturas que fazem a fama desta cidade.
Como não queríamos chegar tarde a Somoto seguimos adiante, afinal eram 70 km e não tínhamos ideia como era o caminho até lá.
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