Ciudad de Guatemala (parte 1)
4 de fevereiro de 2015 – (Guatemala)
Nossa estadia na Cidade de Guatemala (cujo nome oficial é Nova Guatemala da Assunção) foi marcada por um antes e um depois da chegada dos pais do Quique, pois decidimos deixar nossas bicicletas e “tralhas” na cidade para depois seguir adiante com a viagem. Foram mais de 10 dias percorrendo vários cantinhos dessa metrópole!
O nome “Guatemala” vem da palavra Quauhtemalan ( “lugar de muitas árvores”) de origem Nahuatl.
Para chegar a capital chapin (como são conhecidos os guatemaltecos) tínhamos que encarar 40 km, já que estávamos em Antigua Guatemala. O caminho, já tinham nos alertado, era tranquilo. No começo bastante subida e com acostamento, que para ciclistas isso já é uma benção.
Depois desta parte logo começaríamos a descer, mas um pouco antes de chegar a Mixco (povoado anterior a capital) o tráfego de caminhões e ônibus estava intenso e começamos a sentir o que seria entrar de bicicleta em uma cidade grande.
Após sentir o vento no rosto de um retrovisor de um caminhão, paramos para passar o susto e nos organizar para ver qual seria nosso trajeto para chegar até a casa de Selvin e Max, nossos amigos que conhecemos em Antigua.
Cidade de Guatemala é a maior e mais populosa cidade da América Central, tendo quase 5 milhões de habitantes. Consequentemente, já estávamos esperando que seu trânsito não seria menos turbulento que de uma outra capital. Tanto que foi a primeira vez que entramos com as bicis em uma cidade tão grande (na verdade, no começo da viagem tinha me aventurado ir do aeroporto até o centro de Panamá City, e não foi nada prazeroso).
Mas enfim, sem mapa, sem GPS nem Internet tínhamos que chegar até a zona 9 (detalhe, são 25 zonas espalhadas na cidade). Fomos seguindo no nosso método de direção: perguntando às pessoas na rua. Mas como sempre, nem toda informação era certa. Assim que quando chegamos a uma bifurcação com um túnel e 6 pistas com um trânsito constante e muito rápido chegou a me dar um desespero pois pelos cálculos nossa pista era a do meio e a gente estava na direita!! Tentamos atravessar, mas foi impossível! Em um impulso quase me lanço em uma das pistas para desespero do Quique que até hoje me chama de suicida.
Era muita gente passando ao lado e olhando para as bicicletas. Para pior esse día era o começo das aulas (que são de janeiro a setembro). O barulho era infernal, e entre as motos, os carros, ônibus e caminhões não nos alcançavam os olhos para prestar atenção em tudo, e nem pensar direito podiamos.
Logo, ao ver nosso nervosismo, chega uma pessoa e nos dá uma informação mais precisa. Por sorte não tínhamos que atravessar as pistas, era só seguir pela direita que íamos chegar ao nosso destino. Uma meia hora depois chegamos ao local combinado, porta 6 do Parque Industrial. E foi descer das bicicletas que nossas pernas antes tensas pelo estresse se relaxaram e uma paz nos envolveu por uns instantes.
Para nossa surpresa, Selvin, além de superatleta, é também cozinheiro de mão cheia e junto com sua família tem um restaurante em frente ao Parque de la Industria. E fomos recepcionados assim …e quando fomos pagar, não quiz nos cobrar.
A ideia era deixar nossas coisas em um quartinho e voltar somente após o retorno de Maria e Luis ao Uruguai. E assim foi.
Fazia um tempo que olhando no Couchsurfing vimos o perfil da Gabriela e nos pareceu bastante interessante (principalmente para o Quique, já que ela era estudante de antropologia). Mas ela vivia em um lugar fora da nossa rota. Foi aí que decidimos conhecê-la nestes dias que tínhamos ”livre”, e partimos de ônibus até Fraijanes, uma cidadezinha que fica bem no alto de montanhas.
Na parada de ônibus combinada (frente a um local de Wendys) estava Gabi e sua mãe Heidy nos esperando. Fomos direto para sua casa e logo já sentimos que o frio ali era diferente. Íamos acompanhar a família na missa, pois era a semana do Cristo de Esquipulas (Cristo Negro venerado em vários países, especialmente na América Central).
Se diz que em 1594 os trabalhadores de Esquipulas tiveram uma colheita abundante de algodão e decidiram encomendar uma imagem de Jesus crucificado. O escultor tinha usado madeira escura para esculpir a imagem de modo que mais se assemelhasse a pele dos habitantes de Esquipulas. Outra versão é que a exposição ao fumo de velas e mãos de milhões de fiéis lhe deu seu tom escuro característico. O fato é que a imagem de Jesus “negro” Crucificado é reverenciada por milhões de fiéis na América Central, e celebrada cada 15 de janeiro.
Nos chamou a atenção que a igreja estava lotada por indígenas e ladinos muito devotos, ou seja, mais uma vez comprovando o sincretismo religioso nesta região. Fazia muito tempo que não íamos a uma missa, mas foi a primeira vez que assistimos através de uma televisão dentro da igreja, no principio pareceu muito estranho, mas logo nos acostumamos com esta modernidade.
Após a missa nos encontramos com amigos de Gabi e nos divertimos bastante comendo comidas típicas e jogando pebolim, totó, flaflu (quanto nome para a mesma coisa!).
Logo conhecemos a mascote da família, o husky Volk. O que ele tinha de lindo tinha de arteiro, e só Gabi conseguia controlá-lo com uns grãozinhos de ração.
Me deu um tremendo susto quando eu estava estendendo minhas meias na corda e de repente ele saltou e a arrancou da minha mão. Quando eu fui puxar me deu a impressão que ele tinha engolido a meia! Na hora começamos a buscar no google o que fazer e logo ligaram para o veterinário que disse que era bom dar leite de magnésio para ele evacuar logo! Imagina a minha preocupação… Depois de uns dias fiquei mais tranquila em saber que encontraram a meia jogada no pátio! Ufa!!!
Creio que foi a cidade que mais senti frio na viagem, era um frio diferente, de rachar mesmo! Tanto que Gabi teve que me emprestar duas blusas de lã, até mesmo para dormir! Fraijanes está a quase 2.000 metros acima do nível do mar.
À noite era aniversário de uma tia de Gabi, e junto com seu pai Carlos e sua mãe Heidy entramos de gaiato na comemoração. Lá conhecemos seu namorado José, que tinha admiração pelo Uruguai e era formado em turismo. Assim que fazíamos duas ”parejas” turismo-antropólogas!
Passamos uma noite muito agradável com toda família, e entre jogos e muitas risadas tinha a hora do mate! Todos queriam provar o chimarrão e como sempre não é algo tão convincente para todos!
Algo curioso é que o aniversário começava com o bolo. Diferente do Brasil que se come na metade do evento e no Uruguai que é sinal de que a festa acabou.
Não éramos os aniversariantes mas recebemos de Gabriela um vestido(ela ficou impressionada a quantidade de roupa que levávamos, assim disse que eu podia variar agora com um mais modelito.)e de sua mãe que uns lindos guardanapos bordados por ela mesma para nossos pais.
No outro dia já tínhamos que seguir adiante, muito agradecidos pela bela recepção e tempo disponível! E ainda conseguimos revê-los dias depois em Antigua!
Voltando dos 15 dias de “férias” das bicis tínhamos que buscar nossas coisas e rever os irmãos Lucianos (nome da equipe de corrida deles). E desta vez conhecemos mais outro irmão, além de Selvin e Max o time estava completo com Saul. Que trio!
Os dois últimos são proprietários do café e restaurante Kaffa (https://www.facebook.com/KAFFA.GT/?fref=ts). Para lá fomos conhecer e passar a tarde com eles regados a boa comida e um bom papo.
A cada hora era um amigo ou cliente que chegava e se sentava, ficando bem à vontade assim como a gente. Assamos pães de queijo para matar nossa vontade depois de tanto tempo sem ter esse gostinho brasileiro por perto!
Mas os quitutes guatemaltecos não ficavam para trás! Eles nos apresentaram a especialidade da casa: el pan de banano!
Saborosíssimo! Aprendemos a fazer e vimos o passo a passo da preparação, mas a melhor parte foi a degustação…
Através do Warmshowers conhecemos o Alfredo Maul, um conhecido arquiteto que depois de anos trabalhando no exterior resolveu voltar a sua terra natal para por em pratica vários projetos em seu país. Após conhecer a triste realidade ambiental de muitos rios da Guatemala ele se comoveu e sentiu que ele podia fazer algo para ajudar.
Neste documentário se pode ver um pouco do seu cotidiano e dos seus projetos, vendo que qualquer pessoa pode colaborar com uma vida mais sustentável. Por exemplo: na reciclagem, comprando produtos da sua região, usando produto biodegradáveis, coletando água da chuva, evitando o plástico, e muito importante também a maneira de viver com mais espiritualidade, simplicidade e humildade.
Por incentivar o uso da bicicleta, Alfredo dispõe de um espaço no edifício onde mora para receber ciclo-viajantes que passam pela capital. É um espaço incrível, onde passamos alguns dias aprendemos muito e com certeza saímos mais conscientes depois desta experiência.
Aqui o espaço onde vive, (chamado G22) ensinando com o exemplo…
Uma das organizações que conhecemos ali no eco-hostel é a Biciudad de Guatemala (https://www.facebook.com/BicIudad/), um movimento que se dedica a mobilidade urbana sustentável , onde é promovido passeios noturnos e reuniões com a família , conscientização da população de um transporte alternativo aos tradicionais, palestras e parcerias com empresas, oficinas mecânicas, entre muitas outras atividades para a comunidade.
G22 é uma associação que visa a sustentabilidade que é aplicada mediante a arquitetura sustentável e o consumo responsável diretamente vinculado a arquitetura social. Perguntamos a Alfredo o porquê do nome e ele nos explicou que o número 22 é bem significativo para seu país, pois são 22 departamentos (Estados), 22 línguas maias, 22 vulcões acima dos 2.222 msnm, entre outras coincidências deste numeral.
Neste edifício se encontram seus escritórios, a casa de Alfredo, o eco hostel e ao lado ainda fica uma oficina de manutenção de bicis e também uma carrocinha (triciclo) de cachorro quente.
E neste ambiente de muito aprendizado conhecemos a Isis, uma estudante de arquitetura que estava em um dos projetos do grupo e que sempre nos recebia com um sorriso no rosto e com várias dicas para conhecer o centro da cidade.
Por indicação da Isis, resolvemos explorar um pouco do centro da cidade através do Transmetro, o transporte público de ônibus de Guate. Ficamos impressionados com a limpeza, praticidade e economia deste meio (cerca de 30 centavos de real !!). Alfredo nos explicava que este sistema foi inspirado no modelo de transporte de Curitiba em que com um ônibus se pode fazer a baldeação, economizando tempo e dinheiro e também resolvendo um problema de segurança, já que este método complica a ação de ladrões.
Fomos até o mercado La Placita Sur 2, e nos perdemos na quantidade de banquinhas e alimentos desconhecidos para nós!
Em cada lado íamos provando e degustando o que iam nos oferecendo, mas o que mais caiu o nosso gosto foi a estranha paterna e o suculento caimito.
Como já estávamos no centro resolvemos caminhar pelo calçadão (6 avenida da zona 1) e encontramos uma Padaria dos deuses, tudo que provávamos era delicioso, e o melhor, muito barato!
Um lugar de comida árabe que viramos fregueses (toda vez que íamos ao centro passávamos por ali). Com seus kebab e Shawarma por 15 quetzales e o Falafel por 10 quetzales , menos de 2 dólares, nossos lanches já tinham endereço certo.
E mais depois que conhecemos a Omm Hurarira Bint, que nos contou um pouco da história da família e como vê a situação da Palestina nos dias de hoje. E claro que ela quis provar nosso amargo chimarrão!
Já na redondeza do G22, víamos sempre algo estranho durante a tarde. Várias pessoas no meio da rua gritando e vendendo algo que não entendíamos o que era. Tendo uma banquinha de cachorro quente no pátio, perguntamos o que era essa “rebelião”.
Logo ficamos sabendo que era a zona conhecida pela variedade de SHUCOS, LOS SHUCOS DEL LICEO GUATEMALA! Ou seja, há mais de 40 anos se reuniram ali vendedores de hot dogs e se formou essa região que é movida pela venda deste fast food!
Cachorro-quente com abacate, repolho, 3 tipos de enlatados, bacon!!!! Para todos os gostos…
Também na volta do Liceo Guatemala fomos ao Museu de História Natural que está junto com o Jardim Botânico da cidade.
Conhecido por ser o primeiro da América Central, ele abrange mais de 1000 espécies da flora do país. Um excelente passeio ao ar livre para quem quer ficar longe do tráfego e ter um sossego do concreto da cidade grande.
Antes de seguir nosso caminho na cidade, ainda tive a chance de praticar ioga com uma amiga de Alfredo que estava se hospedando ali no mesmo local com a gente.
Após estes dias ficamos muito agradecidos desta experiência que vivemos , não só por ver um exemplo de profissional , mas também pela mensagem que ele consegue passar a todos que com atitudes simples no cotidiano podemos preservar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da comunidade.
E não somente agindo no seu dia a dia, mas também conseguindo passar a outras pessoas estes aprendizados que durante anos vivenciou com estes projetos que conhecemos.
Levamos de Alfredo o considerar as pessoas como promessas e não como ameaças, e em vez de se fechar atrás das grades ou do vidro escuro do carro, ele anda de janela aberta e olha no rosto do outro na bicicleta.
Além de toda essa receptividade ainda nos ofereceu uma carona para que não cruzássemos toda cidade de bicicleta. E nos despedimos assim de Alfredo, com muita gratidão e mobilizados a seguir pedalando e ajudando o planeta ficar mais verde!