Chinkultic
7 de março de 2015
Já era quase 10 da manhã e, outra vez, nos enrolamos para a saída. O destino era Ococingo, a uns 100 km o que levaria uma pedalada de umas 5 ou mais horas.
Nisso, Daniel, nosso anfitrião de Comitan, nos perguntou: Por que não pegam a estrada 190 que é mais bonita? Pensamos um minuto e mudamos o trajeto na hora!
E sem nenhuma pressa (nos separavam 60km do nosso novo destino, voltamos até a estrada 190 até chegar a La Trinitaria e pegar a 307. Ou seja, a 307 iria nos acompanhar nos próximos dias até chegar a Palenque, sempre rodeando a fronteira com Guatemala.
Sabíamos que o caminho até Chinkultic era tranquilo e não haveria muito lugar para paradas, por isso mesmo sem fome, fizemos um pausa para garantir algo na barriga até o nosso destino.
Nossa deliciosa descoberta neste caminho foi a Oblea de cajeta, uma espécie de hóstia recheada de doce de leite de cabra, que ia nos acompanhar no resto da viagem.
Já era quase no fim da tarde quando chegamos em um local que era uma espécie de albergue escolar a poucos metros da entrada da zona arqueológica de Chinkultic e seu cenote sagrado.
Chegamos perto das 17h nas ruínas e quando fomos entrar, um vigilante nos disse que estavam fechando, que voltássemos na manhã seguinte. Aproveitamos para perguntar onde colocar nossa carpa e nos disse que alguns metros na frente, tinham cabanas para alugar.
Mas como nossas economias eram muito magras, ao chegar no local, pedimos para colocar a barraca em uma gramado ao lado da cantina e fomos aceitos. Era uma bela paisagem, umas colinas verdes no fundo que pareciam flutuar no meio do silêncio. Além disso, os banheiros eram limpos e tinha wi-fi. Não podíamos pedir mais nada.
Armamos nossa barraca no gramado e saímos para conhecer algo da volta.
Caindo a noite apareceu o guarda do local com dois amigos. Entre mates e chilaquiles ficamos até tarde de conversa fiada. Outro convidado inesperado foi o frio. Tivemos que usar toda nossa roupa de abrigo.
Um dos homens se chama Candido. Contou que viveu nos EUA, foi “molhado”, como quase todas as pessoas da zona. Adjetivo muito usado pelos latinos ao dizer que entraram ilegal no país vizinho, referente a rios que tiveram que mergulhar para não serem pegos em flagrante na fronteira. Confessou que trabalhou com muita coisa, mas o mais duro foi trabalhar nas plantações de tabaco. Tinha que colher e carregar as plantas debaixo do braço em meio a um calor infernal. Embora contava com umas precárias proteções de plásticos, acabou com a pele toda queimada.
Acordados pela luz do sol, encontramos a cantina aberta. E com poucas opções para um café-da-manhã que estávamos acostumados. Mas mesmo sem saber o que era, pedimos algo no cardápio e como sempre, não sobrou nada no prato.
Depois de fazer a base no estômago, fomos conhecer as ruínas e para nossa surpresa, nosso guia não chegava a um metro desde o chão.
Foi nosso primeiro de muitos encontros com um cenote. Para desavisados como eu, que não conheciam esta palavra, os cenotes são poços de água cristalina que se formaram com a erosão de rochas calcárias nas bordas da cratera do asteroide, mais conhecido pela extinção dos dinossauros.
Tem toda uma atmosfera mística a respeito dos cenotes, devido às várias versões que se tinham sobre eles. Eles são considerados sagrados por muitos povos. Os maias, por exemplo, acreditavam que os cenotes eram portais para a vida após a morte e muitos rituais giravam em torno deles.
De cima da ruína, dava para imaginar como séculos atrás, jogavam crianças e mulheres deste lugar, para o meio do cenote como oferenda aos deuses envolvendo sacrifício humano, e nos deu um frio na barriga.
Na noite anterior, Candido nos disse que alguns anos atrás, arqueólogos estrangeiros trataram de extrair toda a água para chegar ao fundo, mas por conexões com águas subterrâneas, foi tarefa impossível. Não puderam saber a profundidade do cenote nem desvelar os segredos que guarda em suas entranhas.
A cidade dos poços escalonados, que significa Chinkultic é uma zona arqueológica que possui além do cenote Sagrado Azul, a Acrópolis e mais de 200 construções que foram encontrados palácios de governantes, templos e uma cancha de jogo de pelota.
Nos despedimos do nosso pequeno guia e seguimos a viagem pela rota 307, onde iria começar a recorrida pelos Lagos de Montebello.