Chichicastenango
21 de janeiro de 2015 – (Guatemala)
Saindo de Panajachel resolvemos fazer o caminho mais comum que os locais fazem até chegar a Chichicastenango, ou como todos conhecem: Chichi.
A primeira camioneta nos levou até Sololá, depois outra até Los encuentros e aí sim, finalmente, a última até Chichi. No total pagamos cerca de 1 dólar neste troca-troca de ônibus, já pela van turística direto seriam uns 12 dólares este mesmo trajeto.
Nesta última seria a mais cheia de emoções. Primeiro este caminho tinha muitos quebra-molas (lombadas), a cada quilômetro era um, eu acho! Depois vieram as curvas e a descida… Quando chegamos bem embaixo, olhámos para cima e tinha um caminhão e um carro que não estavam conseguindo subir aquela ladeira. Nossa camioneta emendou e colocou força e aí fomos com o coração na mão para um lado e para outro até chegar ao topo da montanha, onde logo estaríamos na cidade. Ahhh e tudo isso ao som de Leandro e Leonardo, na versão do “mexe mexe” em espanhol, para reafirmar o balançado do ônibus .
Adentramos a cidade, e pensamos que haveria uma parada bem na feira onde era o nosso destino. Sem perguntar, seguimos. Vimos que tinha uma estrangeira mais no ônibus e imaginamos que ela saberia onde desceríamos. Creio que ela pensou o mesmo de nós, e depois de já estar em uma estrada novamente, ela faz sinal para descer e nós, idem.
Passamo-nos uns bons quilômetros da feira, e o jeito foi pegar outro ônibus e dar uma boa caminhada até lá ainda.
Como dizia o livro da chilena Marcela Serrado, Chichi não é um lugar, é uma experiência de vida. Nos primeiros passos dentro da enorme feira já nos demos conta disso.
Chichi é conhecida em todo país pelo seu misticismo, história, combinação de tradições, religiões e culturas, e é claro, por sua famosa feira de artesanato; que ocorre todas as quintas-feiras e domingos de toda semana.
A maior parte da população é da etnia Quiche, e conhecida também por ter sido neste povoado que foi encontrado o famoso livro maia, texto fundamental na literatura precolombina e universal, o Popol vuh. Foi escrito (autor desconhecido) logo após a chegada dos espanhois lá pelo 1554 em maya-Quiché, recolhido da tradição oral. Permaneceu oculto até 1701 quando foi revelado ao frei Francisco Ximenez, quem o traduziu para o castelhano.
O livro descreve, entre outras coisas, como os deuses criaram o mundo, e os seres humanos que depois de tres tentativas equivocadas, surgiram os “Os homens do milho”, de quem eles descendem.
O local onde foi encontrado o sagrado livro foi a Igreja de Santo Tomás, construída onde era um templo cerimonial maia, e um altar do deus Abaj (representado numa pedra) que sobreviveu, além das escadas de pedra com 20 degraus, as quais representam os 20 dias do mês do calendário maia.
Dizem que antes que espanhóis destruíssem todo o templo, indígenas conseguiram resgatar a estátua de pedra de Abaj e levaram para o meio das montanhas, lugar que poucas pessoas sabiam onde estava, e assim seguiram com seus rituais até hoje.
Nesta escadaria vimos muitos indígenas vendendo suas flores, incensos e muitos guias turísticos atrás de viajantes que queriam conhecer um pouco mais sobre a história e tradições do lugar.
Quique ficou por um momento um pouco frustrado pela situação. Por um lado um mundo cheio de cores, cheiros, ancestralidade, idiomas indígenas, e por outro os “turistas” que sem saber nada disso, só se interesavam nas fotos “exóticas” destas pessoas e em comprar alguns de seus produtos. Nos formávamos parte, ainda que não querendo, desse segundo grupo. Depois de alguns minutos vimos que o melhor era aproveitar essa estadia ali apesar de algumas contradiçoes interiores.
O tamarillo, caxlam pix ou tomate de árvore, como também é conhecido na Guatemala, foi um fruto encontrávamos em cada esquina.
Nesta mesma escadaria conhecemos Tomasa, uma senhora de seus 40 e poucos anos com seu colete bege claro sinalizando que era uma guia autorizada pelo governo. Seu nome é por Santo Tomás, patrono da cidade, nos contou. Não precisou de muito para nos convencer a acompanhá-la até o Cerro Pascual Abaj, local sagrado para fazer rituais maias. Para ela foi apenas olhar para o cerro, e dizer: “vocês estão com sorte, hoje está acontecendo um ritual no alto da montanha, pois esta saindo fumaça lá de cima”.
Fomos caminhando por volta de 30 minutos, e observamos em um morro do lado um cemitério muito colorido, que nos explicava Tomasa eram os túmulos de gente com dinheiro da região, pois a maioria da população era enterrada no chão mesmo, sem muitos “luxos”.
E como sempre esta mistura de crenças na Guatemala se notava ali. Tomasa nos explicou também o significado de cada cor para pintar os túmulos, por exemplo: o branco significa a pureza para enterrar os pais, as mães com cor azul-turquesa simbolizando a proteção das mulheres. Já os avós de cor amarela significando a proteção do sol sobre a humanidade.
Depois de subir o cerro de puro bosque por um caminho estreito de terra, e com o fólego na reserva, chegamos ao lugar, a 2100 metros sobre o nível do mar onde no momento havia apenas um chaman (xama ou guia epiritual), o pedinte do ritual e a estátua de pedra do deus Pascual Abaj (Juiup Takaj, que significa colina plana).
Tomasa nos contou que é comun que pessoas peçam ajuda e proteção para a familia ou prosperidade quando estão começando um negócio, no qual parecia ser este caso dos que estavam ali. Cada família tem um chaman própio que cobra por seu “trabalho” o que nao acontecia antigamente quando as pessoas nao tinham tanto dinheiro e o pagamento era em milho, feijão, arroz…
Aqui estão jogando no fogo e vao explodindo as latas de chile (pimentao) como oferenda.
Descendo o cerro paramos para conhecer o Museu das máscaras de cerimôniascriado pelo sacerdote maia Luiz Ignácio V. Lá se exibem dezenas de máscaras de madeira que detalham a evolução desta longa tradição regional. Umas com mais de 300 anos, esculpidas em madeira de cedro, até as atuais, de pinhos brancos e pintados de cores vivas.
Já voltando para a feira, no meio de ervas medicinais, conhecemos o Valentín, um guri “criado” na feira, pois acompanha sua mãe em todas as feiras que expoe seus produtos. Pergunto se o nome dele era pelo dia se San Valentin e ela me confirma com um sorriso dourado: nasceu no dia 14 de fevereiro, por isso se chama assim. Mais uma vez o sincretismo religioso muito presente nesta região, tradições maias e católicas presentes na população de Chichi.
Cortando caminho para chegar no pavilhão maior da feira encontramos uma parede cheia de murais que nos chamou muito a atenção. Na verdade era uma parede de uma escola comunal indígena, na qual artistas da cidade, principalmente os gêmeos locais Leon Cortéz juntamente com organizações estrangeiras se propuseram a pintar esta parede para representar um pouco da história dos maias através de trechos do livro Popol Vuh.
Temas como genocídio, os alimentos sagrados como o milho, o sol e a lua, a medicina maia, a espiritualidade e principalmente a mãe-terra foram representados nesta parede.
Esta imagem com uma indígena virada para os murais com uma garrafa de 2 litros de “Cola”, mostra uma triste realidade desta parte da população em todo país.
Seguimos caminhando para buscar alguma coisa para comer no ginásio municipal que é onde funciona o mercado para vendas de vegetais, frutas, animais, e postos de comidas locais.
Em uma mesa grande e coletiva nos sentamos para comer nosso almoço, como sempre dividíamos um prato de comida, Quique com a carne e eu com os vegetais, acompanhando sempre as tortillas de milho.
O papel das mulheres maias na comunidade é essencial pois desde pequenas já sabem conhecimentos passados de geração para geração, neste casa na alimentação e na cozinha. Pois os “comedores” são comandados por mulheres, fazendo com que a cultura maia siga forte mesmo com toda a invasão ocidental de costumes.
Outro exemplo acontece com Vicky e sua mãe Marta que desde pequenas já sabem tecer e costurar estes lindos “huipiles”. Conversando com elas vimos todo o orgulho que elas têm de fazer parte desta arte tão importante para os maias: a vestimenta.
E ainda comentavam: uma pena que os turistas valorizam tanto nossas roupas coloridas e tão pouco as pessoas que as vestem. Faz nos lembrar um trecho do livro “Me llamo Rigoberta Menchu y así me nació la conciencia” em que Rigoberta que pertence a étnia maya Quiche e que ganhou o premio Nobel da Paz em 1992 disse: “O que a nós indígenas nos dói mais é que a nossa vestimenta lhes parecem bonita, mas a pessoa que a leva, é como se fose nada”.
Em outro rincãozinho do imenso mercado encontramos um senhor vendendo umas bolas redondas de cor escura. Os curiosos lá foram ver o que seria, em primeiro momento pesamos que era algo de comer, um chocolate 100% cacau, talvez ?
Mas não, se tratava do sabão negro ou “jabón de coche” produzido desde muitos anos pelos maias. No passado este sabão não faltava em todos os mercados de Guatemala. Hoje em dia é menos produzido, mas bastante expressivo nesta região como em Xela, Mixco e Suchitepequez.
O senhor nos explicava das propriedades deste milagroso e natural sabão, como para lavar roupa e cabelo, e também para usos medicinais. As pessoas mais velhas são os principais consumidores e asseguram que servem para tirar mancha de roupa e da pele, que ajuda no tratamento de espinhas, caspa e queda de cabelo.
Fomos conquistados pelos tantos benefícios citados deste pequeno sabão e compramos um para experimentar, já que este tratamento natural é utilizado a tantos anos.
Só depois fomos descobrir de que era feito este sabão. Chegando ao hotel passei o sabão em todo corpo e inclusive passei na cabeça em forma de xampu, fez bastante espuma e tudo mas aos poucos fui sentindo o cheiro que impregnava em mim! Não tem como esquecer, parecia que eu tinha mergulhado em uma piscina de torresmo!! Por muitos dias este cheiro não saia do meu olfato.
A razão é que este sabão é feito de gordura de porco (“coche”) e cinzas de lenha! Fervido a banha, as cinzas e misturado ainda com cal e água se deixa secar e depois de algumas horas fazem as bolas de sabão para o uso diário.
Muito linda a tradição, mas bem longe do meu nariz!! Rsrs
Já começava ficar tarde e decidimos irmos embora, reparamos que já tinha pouca gente na rua e os comerciantes começavam a recolher suas coisas. Nos esperavam mais três coloridos e barulhentos ônibus até voltar ao silêncio de nosso hotel em Panajachel.